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A casa viva

A casa viva

Olho: Gato, cachorro, canário, furão e muito verde. A vida contemporânea é marcada pela presença abundante das flores e dos animais companheiros em casa. Segundo a WGSN, a tendência vai crescer ainda mais nos próximos anos.

Projeto de Ana Gaspar considerou o hábito dos felinos no desenho do mobiliário (Ana Mello)

O retrato da família contemporânea mudou e é multiespécie. O conceito foi apontado pela WGSN, empresa líder mundial em previsão de tendências, como um dos comportamentos em ascensão nos lares de todo o mundo. E segue influenciando a forma de ocupar os espaços privados e públicos em 2024.

Para se ter uma dimensão da importância dos pets na vida das pessoas, um levantamento recente realizado pelo Instituto Pet em parceria com o IBGE mostra que existem cerca de 144 milhões de animais domésticos no Brasil. Os cachorros lideram o ranking (55,9 milhões), seguidos das aves canoras e ornamentais (40,4 milhões), gatos (25,6 milhões), peixes ornamentais (19,9 milhões) e por último répteis e pequenos mamíferos (2,5 milhões). 

Se os números impressionam até aqui, dados da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet) revelam o potencial do setor no país, que ocupa a terceira posição global de faturamento, movimentando uma fatia de 4,95% atrás apenas dos Estados Unidos (43,7%) e China (8,7%). 

Arca de noé

O termo “família multiespécie” se diferencia da simples ideia de humanos que se relacionam com seus animais de estimação. Muito mais profundo nos vínculos afetivos, os bichinhos são acolhidos como verdadeiros filhos pelos tutores. Segundo estudo publicado pela Adventures, mais da metade dos lares brasileiros possuem cães ou gatos como membros da família. Interessante constatar que 30% deste montante foi adotado durante a pandemia. O fenômeno, potencializado pelas restrições de circulação impostas pela crise sanitária, aumentou em 108% as compras no período. Diante deste panorama, não por acaso, o arquiteto Ramon Lima @studioramonlimaarquitetura tem atendido com mais frequência clientes com este perfil no seu escritório. Na opinião do profissional, este é um fenômeno que atinge todas as gerações e redefine os espaços de convivência nos lares, transformando o morar contemporâneo.

Para o arquiteto Ramon Lima, a tendência já acontece há alguns anos e só cresce no escritório (Gilmar Estevam)

“Áreas pensadas para o descanso, brincadeiras e até mesmo espaços exclusivos para as refeições dos pets. A integração de áreas ao ar livre adaptadas também é um ponto importante. Jardins cercados e espaços destinados a exercícios são incorporados ao projeto arquitetônico e de paisagismo, permitindo que cães, gatos e outros pets desfrutem do ar livre com segurança. Outra questão é a escolha dos materiais apropriados, que devem ser duráveis, fáceis de limpar e trazer segurança para a vida dos animais”, comenta.

A vida de Jeferson Branco com seus furões exigiu mudanças de mobiliário e sistemas para impedir as indesejadas fugas dos bichinhos (Acervo próprio)

“Pai da Thereza e Thobias”, um casal de furões albinos, o arquiteto Jeferson Branco @jefersonbranco teve que adaptar a sua morada para garantir a segurança dos curiosos e habilidosos bichinhos. O processo passou pela escolha do sofá modular, ao invés do modelo retrátil, e ralos à prova de fuga “terrível e fofa” da duplinha.

Em recente projeto, o arquiteto recebeu a missão de adaptar os espaços para os gatos da moradora. O trabalho foi além de simplesmente adicionar elementos lúdicos à vida em confluência, envolveu acima de tudo, uma integração cuidadosa de funcionalidade e estilo. 

Render do projeto de adaptação para os felinos da casa pelo escritório do arquiteto Jeferson Branco (Acervo escritório)

“No design que apresentamos, inserimos prateleiras estrategicamente posicionadas que oferecem um recanto para os felinos, permitindo que eles explorem sem comprometer a estética do espaço. Cada elemento foi escolhido com propósito e técnica, desde a substituição da vegetação por plantas não tóxicas, até tecidos duráveis que resistem ao instinto natural dos gatos de arranhar. Afinal, a casa deve ser um abrigo seguro e esteticamente agradável para todos os moradores”, defende.

Neste projeto da arquiteta Ana Gaspar, a marcenaria é usada para criar caminhos aéreos para a diversão e alegria do felino (Ana Mello)

Não é de agora que Ana Paula Gaspar, com escritório @estudioanagaspar em São Paulo, considera os pets como verdadeiros membros da família. A profissional defende que a inclusão dos bichinhos no processo projetual é de extrema importância, uma vez que outros seres vão utilizar também o mesmo espaço. 

“A casa precisa funcionar como um todo e para todos. E para isso, é fundamental considerar as necessidades dos animais. Em projetos que envolvem gatos, por exemplo, discutimos onde seria o local mais adequado para a caixa de areia, o bebedouro de água e estruturas de enriquecimento vertical. Não adianta ter uma casa belíssima se não considerarmos esses elementos”, alerta a profissional.

A estante de livros circunda a sala e a cozinha, alongando o efeito de metragem do espaço (Ana Mello)

Neste projeto encomendado por uma tutora atenciosa, Ana incorporou na marcenaria o enriquecimento vertical. A solução foi pensada para que os gatos se sentissem seguros e felizes observando toda a movimentação no ponto mais alto da casa. Outro ponto importante é a inclusão de plantas não tóxicas e pisos com uma maior aderência, que evitam acidentes e o desgaste das articulações dos bichinhos. “E por fim, sempre procuramos integrar no desenho arquitetônico elementos como caminhas, potes de comida e outras atividades, criando assim móveis multifuncionais que atendam tanto aos tutores quanto aos pets”, conclui.

O verde que cura

Não foram só os companheiros peludinhos que entraram definitivamente para o álbum de família. As plantas conquistaram também seu lugar indoor. Os hábitos de cultivo e cuidado foram intensificados na pandemia, período que a diretora da Galeria Botânica @_galeriabotanica, Gabriela Nora, viu crescer significativamente a demanda por flores e arranjos florais.  

“Percebo o crescimento do mercado botânico em tudo que envolve a relação com o verde, biofilia e até os mobiliários inspirados nas formas orgânicas. De lá pra cá, vejo a necessidade das pessoas por uma vida com mais significado. Isso tem a ver com a dureza e aridez das nossas cidades – exemplo São Paulo -, a escassez do tempo. Como forma de frear os sintomas da vida moderna – como depressão – olhar para a natureza é uma maneira de voltar às práticas naturais, a ter uma casa viva”, pontua.

Gabriela Nora acompanhou o interesse das pessoas por plantas e flores na sua galeria em São Paulo. Para ela, além da pandemia, o estilo de vida moderno nas grandes cidades despertou a busca por conexão com a natureza (Jorge Lepesteur)

A sensação de bem-estar trazida com a presença do verde nos lares é antídoto que o arquiteto e paisagista Rafael Bohrz (@bohrzarq) indica para seus clientes. Porém, nem sempre é necessário o convencimento. O profissional perdeu as contas de quantos projetos paisagísticos e interiores modificou para atender as exigências tanto de tutores de pets quanto dos “dedos verdes”.

Para o arquiteto e paisagista Rafael Bohrz, viver em sintonia com a natureza é também processo de cura (Acervo pessoal)

“Há quatro anos venho trabalhando em um projeto executivo de paisagismo para um jovem solteiro que ama plantas e tem canários em casa. E posso afirmar que a transformação do espaço é drástica. A presença do verde deixa as pessoas mais relaxadas e traz saúde e bem-estar”, conta. 

Além dos detalhes que fazem a diferença para projetos paisagísticos – como piso apropriado, parede, iluminação -, o arquiteto reforça a preferência por espécies de plantas nativas, que prestam um serviço ecossistêmico essencial para a manutenção da vida no Planeta.

A casa multiespécie é espelho do tempo e das relações entre seres viventes e humanos no ambiente doméstico. Talvez seja uma forma de equilibrar a separação provocada pelo surgimento dos centros urbanos, desconectados do ritmo da natureza. Ou mesmo uma busca pela origem que constitui a essência do ser humano – assunto também em voga – um ser da natureza. Independentemente da resposta, a certeza é que as mudanças são irreversíveis com efeitos imensuráveis que moldam constantemente a presença no mundo.

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