O mundo está em pleno processo de mudança etária e o perfil populacional, cada vez mais idosos, precisa de cuidados e atenção
Estamos ficando mais velhos! E não é uma realidade apenas no Brasil, mas mundial. Isso ocorre devido à baixa taxa de fecundidade somada ao aumento da expectativa de vida populacional no mundo que, junto à baixa taxa de mortalidade devida, também, aos inúmeros e bons avanços tecnológicos e científicos, tem feito as pessoas viveram mais, trazendo como consequência seu envelhecimento. O demógrafo Joseph Chamie, em artigo publicado no site da agência de notícias IPS (Inter Press Service), em 5/1/2022, apresenta um dado: “Enquanto na década de 1960 a taxa de fertilidade total mundial e a expectativa de vida ao nascer eram, respectivamente, cinco nascimentos por mulher e 50 anos, os níveis atuais são de 2,4 nascimentos por mulher e 73 anos”. Por aqui, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2015) cerca de 14% das mulheres brasileiras têm mais de 60 anos, ao passo que 11,9% dos homens estão no mesmo grupo etário. A população de pessoas com mais de 60 anos aumentou de 2% a 12% entre 1960 e 2014 e duplicou-se em apenas 34 anos – 6% em 1980 e 12% em 2014). O grupo etário que mais cresce no Brasil é o de pessoas com 80 anos ou mais.
Mas e a arquitetura, está preparada para esse novo perfil populacional?
Para a Healthcare Design Leader da Perkins&Will de São Paulo, Lara Kaiser, o tema ainda é muito incipiente no Brasil, diferente do que já ocorre no exterior. “Os residenciais sêniores no exterior seguem algumas premissas importantes, mas as discussões sobre o tema ainda são raras no Brasil. A primeira delas é a questão do planejamento, que passa pelo cuidado em determinar onde esses equipamentos serão instalados de acordo com a demanda e o perfil socioeconômico dos idosos. Na Europa, muitas cidades se preocupam em se tornar mais amigáveis a essa parcela da população, evoluindo dentro da estratégia das ‘smart cities’, e aí a mobilidade urbana mostra-se um grande desafio. Para atender a todos esses pontos, os projetos arquitetônicos podem assumir formas muito diversas, mas todos compartilham a atenção à acessibilidade e à ergonomia, tornando fluxos e atividades domésticas mais práticos e simples, assim como o uso de ferramentas de tecnologia e automatização para facilitar o dia a dia e garantir o monitoramento adequado.”
Entre as diferenças nos modelos de arquitetura de residências para a terceira idade adotados no Brasil e lá fora, o ponto central, segundo Lara, está na experiência tanto de projetar quanto de gerir. Europa, Japão, Estados Unidos e Canadá já possuem espaços pensados de modo a acolher, enquanto no Brasil, devido ao custo que acaba sendo muito alto e por vezes inviabiliza o negócio, há também a falta de cultura para esse tipo de moradia, o que “faz com que muitos brasileiros pensem em residências sêniores como asilos, aquela ideia ultrapassada e horrível de serem ‘depósitos de idosos’”, pontua Lara. E ela traz exemplos: “Um formato que vem se mostrando bem-sucedido entre europeus e americanos e que acredito que possa ser replicado no Brasil é o do cohousing, em que um pequeno grupo de idosos compartilha a mesma residência, dividindo gastos e atribuições. Além de ser uma solução mais econômica é também uma forma de estimular a convivência e o senso de comunidade, fundamentais para essa faixa etária.”
Modelos a serem seguidos
Lara explica que um projeto de arquitetura voltado para o público de idosos precisa ser, prioritariamente, humano. “São projetos que precisam ter design humanizado e o design universal como ponto de partida. Ou seja, devem considerar que os espaços e mobiliários precisam proporcionar aconchego e bem-estar, pois são fundamentais para a qualidade de vida das pessoas que irão morar no local. Também precisam ser acessíveis para todas as pessoas, qualquer que seja a sua condição física. Os residenciais flexíveis trazem ainda a oportunidade do tratamento com um olhar mais imersivo para quem enfrenta desafios diários e demanda uma rotina apoiada por equipes de enfermagem, médicos e outros profissionais.”
Um bom exemplo desse modelo fica em Chicago, nos Estados Unidos: o Northtown Library and Apartments. Trata-se de um hub comunitário intergeracional que integra um novo tipo de comodidade comunitária combinando uma biblioteca com moradia acessível para idosos. Localizado no West Ridge, um dos bairros mais diversificados de Chicago em termos de renda, etnia, raça, religião e idade, os moradores podem desfrutar de uma enorme variedade cultural. Um projeto inovador que combina as comodidades da biblioteca local com 44 apartamentos acessíveis para idosos para incentivar o aprendizado ao longo da vida. Um mural colorido de um artista do bairro adorna o saguão, ancorando a comunidade no nível da rua. Os moradores dos apartamentos desfrutam de luz natural generosa e vista para o parque vizinho, além de melhor acesso à biblioteca e transporte público.
Hoje, residentes de West Ridge de todas as idades vivem, aprendem e se socializam neste espaço inovador que serve como modelo para moradias compartilhadas em outras cidades. Ali, gerações se reúnem para aprender, trabalhar e socializar nesta nova biblioteca de bairro repleta de comodidades e os benefícios para os que ali moram ou frequentam são muitos. Os espaços públicos em ambas as extremidades da biblioteca atendem às diversas necessidades do bairro. O YouMedia Lab em uma extremidade mostra adolescentes e tecnologia, e a outra – uma sala comunitária e um lobby – oferece suporte a apresentações comunitárias. Essas áreas públicas estão disponíveis após o horário regular da biblioteca, oferecendo ainda a pessoas de todas as idades a oportunidade de se conectar, explorar e acessar a programação. Nesta esquina movimentada perto de um grande parque e várias rotas de ônibus, essas comodidades públicas são uma adição bem-vinda ao bairro.
Outro projeto que se destaca é o Skyline at First Hill, em Seattle, também nos Estados Unidos. O projeto do complexo de três prédios ocupa 630.000 pés quadrados para a Comunidades de Aposentados Presbiterianos do Noroeste em Seattle. Inclui 200 unidades residenciais independentes e 109 unidades de vários níveis de atendimento, para um total de mais de 300 unidades residenciais. Há, também, um estacionamento subterrâneo para cerca de 350 veículos e a estrutura base contém 35 unidades residenciais ao longo da Oitava Avenida e as partes inferiores das ruas Cherry e Columbia.
A metade leste da base está completamente abaixo do nível da Nona Avenida e fornece estacionamento estruturado, bem como acesso de serviço e funções de suporte para o projeto geral. A parte de Residência Assistida e Cuidados de Enfermagem do projeto ocupa uma estrutura em forma de ‘L’ subindo nove andares na esquina da Ninth com a Cherry. A terceira massa do edifício inclui 164 unidades independentes em uma torre de 20 andares que fica perto da esquina da 8th Avenue com a Columbia. Os elementos Assisted Care e Independent Living do projeto estão ligados em sua base por espaços de uso comum para refeições e recreação. O rooftop da estrutura da base tem terraço e paisagismo e o edifício é orientado para aproveitar as vistas espetaculares de Puget Sound, Mount Rainier e o centro de Seattle.
A ‘geração’ do futuro
Idosos 60+ são consideradas pessoas ativas, saudáveis, independentes, têm sonhos, planos, vivem bem e, mais que isso, são ávidos consumidores e, por isso, suas moradias precisam prever soluções para que tais características sejam preservadas, respeitando o processo de envelhecimento com personalidade, funcionalidade e conforto. “Mais do que espaços de repouso, esses locais devem ser espaços do viver: é ali que os idosos encontrarão atividades estimulantes, que desafiam o corpo e a mente; poderão praticar esportes, fazer amigos e compartilhar boas experiências. Claro que desfrutarão também de um espaço relaxante, que transmite certa serenidade e harmonia. A presença da vegetação, seja pelo paisagismo ou pelo design de interiores, e o uso de uma paleta de cores adequadas são cruciais para obter esses dois resultados. Embora pareça contraditório à primeira vista, estimular e acolher são lados da mesma moeda e seguem uma dinâmica muito parecida com o que propomos em ambientes educacionais, por exemplo. O ser humano se beneficia das duas coisas em qualquer momento da vida”, reflete Lara.
Além disso, é importante ter em mente, ainda segundo Lara, que “estamos lidando com indivíduos, cada um com sua história e suas particularidades. É preciso respeitar preferências e hábitos dentro de um limiar que não comprometa a integração coletiva, mas que assegure a individualidade.” Arquiteta e urbanista pela Belas Artes, São Paulo (1995), Lara traz o olhar certeiro para projetos que priorizem, acima de tudo, a felicidade. “A arquitetura pode colaborar criando desenhos distintos para os espaços de convivência e de privacidade e conferindo identidade a esses locais, para que possam ser apropriados pelos moradores. Da mesma forma, deve buscar prover independência a essas pessoas, para que realizem seus afazeres com o mínimo possível de ajuda, fortalecendo sua autoestima e capacidade de lidar com aspectos cotidianos. Não se pode uniformizar uma faixa etária, pois sempre haverá situações muito diferentes e aí cabe à gestão compreender como conceder diferentes graus de autonomia e liberdade sem comprometer o quadro clínico nem a saúde mental desses indivíduos”, finaliza Lara Kaiser.